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Contra a barbárie

Entrevista com Norbert Trenkle

Criticando o trabalho, o grupo de Norbert Trenkle declara guerra à ordem dominante

Norbert Trenkle é co-autor desta antologia de textos da revista “Krisis”, que tem o titulo irreverente de Manifesto contra o Trabalho. Esteve em Lisboa a apresentar o livro, objecto incómodo, que suscitou vivo debate.

O que é o “Manifesto contra o Trabalho”?

O livro é antes de mais, uma tentativa de partilhar, junto de um público alargado, as ideias produzidas pelo Grupo Krisis nas duas últimas décadas e também tem como finalidade contribuir para uma maior consciência dos novos movimentos sociais, como seja o movimento antiglobalização e outros tipos de protestos que se organizam espontaneamente contra a barbárie do capitalismo neoliberal mundializado. Não temos receitas para uma aplicação política do Manifesto, mas reconhecemos que este pode ser útil na análise das contradições sociais locais e globais. Nesta medida, o conteúdo do livro tem um valor universal.

Como é que analisa o actual modelo económico?

O capitalismo sociedade produtora de mercadorias, que no mercado vão do objecto de consumo mais comum até à cultura, atingiu, quanto a nós, os seus limites absolutos, não conseguindo conferir à maioria da população mundial níveis aceitáveis de vida, mas apenas mais desumanização e maior exclusão social. Esta patologia social do capitalismo neoliberal é geradora de crescente instabilidade e conflitualidade social e está a comprometer seriamente a integridade psicológica, emocional, dos indivíduos, assim como o seu meio ambiente.

Neste contexto, qual pode ser o papel da produção cultural?

Paradoxalmente, a cultura move-se dentro das formas sociais do capitalismo, mas comporta a capacidade de reflexão e de análise crítica. Por isso, quanto mais a cultura reflectir as relações sociais, mais eficiente é o seu desempenho como instrumento ao serviço da consciência do indivíduo e do mundo. A literatura ganharia em manter-se próxima das pessoas, dos modos de opressão e de superação das limitações do quotidiano, não só no plano psicológico mas também no das relações sociais. Os produtos culturais são cada vez mais comercializados e neste sentido perderam, neste período histórico de globalização, muito do seu potencial crítico e do seu papel de agentes sociais de transformação.

O que separa o “Manifesto contra o Trabalho” do “Manifesto Comunista” de Marx e Engels?

O nosso manifesto contém algumas referências irónicas ao texto fundador de Marx, nomeadamente quando afirmamos que a sua crítica contém, ela própria, princípios de modernização capitalista e de progresso tendo por base o ideário burguês, iluminista. Nós colocamos em causa esse tipo de progresso e a missão histórica dos trabalhadores e, portanto, o mecanismo social capitalista/socialista de identificação com o trabalho.

É possível a ruptura com esse mecanismo de identificação?

É, através do principio da actividade livre, não vinculada à mera (re)produção de mercadorias, na qual as pessoas possam decidir que tipo de actividade social querem ou não realizar e em que moldes. E também pela demonstração que o trabalho, num contexto de economia neoliberal, é uma actividade repressiva e profundamente destrutiva. Torna-se, pois, imperativo repensar o trabalho e desenvolver actividades livres, de tipo novo. As actuais formas sociais de trabalho estão em profunda crise e já não podem garantir ao indivíduo os direitos fundamentais.

Como é que a esquerda clássica e os novos movimentos sociais acolheram essas teses?

Geralmente, a esquerda tradicional identifica-se com a teoria da modernização já contida em Marx e, portanto, também com as virtudes do trabalho pelo trabalho. Em contrapartida, os novos movimentos de contestação social têm consciência de que essa esquerda não tem respostas adequadas nesta matéria. A relevância destes novos movimentos reside no facto de reflectirem a resistência dos cidadãos perante a componente barbárica do sistema.

Entrevista de Vítor Quelhas; Lisboa, Semanário Expresso (Actual) 24 de Maio 2003

O fim do trabalho

Há quem diga que o Manifesto contra o Trabalho, saído da reflexão teórica do Grupo Krisis (que tem uma revista com o mesmo nome onde são divulgadas as ideias deste colectivo alemão), equivale, pela sua novidade, ao Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, publicado há 155 anos. O primeiro número da revista do movimento surgiu em 1986 (acaba de sair em alemão o nº 26 e em Outubro deverá sair o número 27), embora alguns dos seus doutrinadores já estivessem em contacto antes disso, Robert Kurz é um dos rostos mais antigos e conhecidos do grupo. Inicialmente com uma forte componente neomarxista, a actividade teórica do Krisis foi-se distanciando das várias origens. O seu pensamento já não é exactamente o mesmo que todos partilhavam em 1986 – tanta coisa mudou entretanto -, mas é óbvio que persistem as referências comuns e um percurso intelectual partilhado que se vai afirmando, incontornável, à escala do planeta. O que prova que é possível repensar, em novos moldes, as actuais necessidades de mudança social. Traduções do Manifesto contra o Trabalho – assim como de artigos dispersos da revista “Krisis” – já existem em espanhol, inglês, francês, sueco, italiano, português e até em persa ( www.Krisis.org )!

V. Q.

Manifesto contra o Trabalho

De Grupo Krisis ANTIGONA, 2003 (trad. de José Paulo Vaz, 106 págs. €10

Semanário Expresso (Actual) 24 de Maio 2003


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