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Triunfo do Neonacionalismo. A Europa depois dos Brexit

Após a votação britânica para a retirada da UE não é apenas o futuro do poder econômico europeu que está em jogo. O ressentimento contra a UE se tornou uma força histórica poderosa. Mas a esquerda também pode se identificar com ela.

Ernst Lohoff

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A primeira agitação já passou. O anúncio dos bancos centrais de, em caso de necessidade, inundar os mercados financeiros com uma ilimitada quantidade de capital monetário fresco surtiu efeito e desarmou por ora um severo crash nos mercados financeiros. A parte das elites políticas que gostaria de manter a Europa unida se esforça para acalmar a situação com declarações otimistas. “A UE está bastante forte, com 27 membros para prosseguir adiante”, anunciou Angela Merkel, que também deixou claro na ocasião que as relações futuras entre a UE e a Grã-Bretanha devem ser vistas como “estreitas e amigáveis”. No entanto, a chanceler assinalou simultaneamente que “deve haver uma clara distinção entre um Estado membro da UE e um que já não o é”.

Por trás dessa declaração se esconde um conflito tangível cujo desenvolvimento será determinado em anos vindouros e que pode levar a saída britânica da UE a um impasse. De um lado, a praça financeira de Londres é importante demais para o capital global e a economia europeia para que a UE possa se arriscar com o colapso dela. Se Londres perder todos os laços privilegiados com os parceiros da UE, então o “Brexit” deixa de ser um dano autoinfligido do sitio britânico para se tornar um suicídio coletivo do poder econômico europeu. De outro lado, a UE não pode se mostrar muito condescendente com a Grã-Bretanha. Potenciais imitadores não devem ser estimulados de modo algum, caso contrário é o próprio contexto europeu que se decompõe.

Jean-Claude Juncker, François Hollande e, sobretudo, Angela Merkel não são completamente inocentes pelo êxito do referendo britânico e pelo dilema político no qual estão metidos agora. Particularmente, o governo alemão já mostrou aos britânicos na crise do Euro como a UE se transformou com sucesso em um campo de jogo de míopes interesses especiais e em uma ideologia irracional, quando, sob os aplausos do eleitorado alemão, impôs aos países endividados do Sul da Europa uma política de austeridade altamente destrutiva. O mau exemplo fez escola. Evidentemente, ainda mais importantes que o mau exemplo de uma política tacanha são as transformações estruturais experimentadas pelo sistema mundial capitalista e pelo seu setor europeu desde os anos 1980, sobretudo no curso do crash financeiro de 2008.

City e o capital fictício

A Grã-Bretanha foi o primeiro país europeu a colocar, de um modo particularmente enérgico, o setor financeiro como o novo motor do crescimento. Considerado de um ponto de vista puramente econômico, o thatcherismo não tem qualquer outro conteúdo que a transformação das ilhas britânicas na Meca do capital fictício ao preço de uma vasta desindustrialização. Este realinhamento foi de fato coroado com êxito quando a economia britânica podia primeiramente registrar um crescimento econômico sob esse novo fundamento, muito embora, desde o princípio, fosse acompanhada de uma extrema fratura social e regional. As regiões de boom econômico e suas principais cidades foram pagas com o declínio das antigas zonas industriais do Norte da Inglaterra e das novas camadas médias empurradas para baixo e marginalizadas.

Nos anos 2000, a economia britânica se beneficiou graças à posição de Londres como a mais importante praça financeira da Europa, não apenas em função do boom imobiliário dos EUA, mas também substancialmente, como o resto da Europa, por causa de um circuito deficitário intraeuropeu que adquiriu dimensões inteiramente novas. Algumas regiões (sobretudo do Sul da Europa) foram exitosas como locais de investimento do capital monetário e, assim, criaram a possibilidade para outras regiões (sobretudo a Alemanha e alguns de seus vizinhos), em sentido inverso, de exportarem maciçamente suas mercadorias para lá. A crise de 2008 destruiu essa constelação em que todos vencem e gerou uma nova situação. Por causa de sua orientação unilateral para o setor financeiro, a economia britânica sofreu de maneira particularmente dura e duradoura sob o peso do crash. Especialmente contra a Alemanha, uma das poucas vencedoras da crise nos últimos sete anos, a posição britânica perdeu significativa importância e foram novamente as classes marginalizadas que tiveram que pagar a conta.

De forma similar ao continente, grande parte da população reagiu às devastações sociais com uma aspiração nostálgica aos “bons tempos de outrora” do fordismo, quando a economia britânica possuía o caráter de economia nacional substancialmente fechada, com amplos fundamentos industriais. Mais ainda que na Europa continental, a UE foi transformada no bode expiatório ideológico do modelo neoliberal falido e da contradição interna de uma economia mundial impulsionada pela dinâmica de criação de capital fictício. A saída da UE nem abre um novo espaço de manobra para o Reino Unido no confronto com o capital globalizado, nem aumenta as chances para uma política de redistribuição. George Osborne, o ministro da economia do governo que organizou o referendo, com base em considerações puramente táticas e de política interna, deixou claro alguns poucos dias após o referendo o que vem pela frente: para impedir a fuga de capital, pretende-se realizar duros cortes dos impostos sobre as rendas das corporações, que deverão ser compensados pelo aumento dos impostos dos contribuintes normais. O governo britânico tenta contra-arrestar as consequências do referendo iniciando uma competição de dumping fiscal com a UE. O próprio Nigel Farage, o resoluto campeão da retirada, admitiu implicitamente que a saída da UE custará caro aos ingleses, ao anunciar por precaução sua retirada para a vida a privada uma semana após seu grande triunfo.

Então a retirada da EU é uma mera vitória de Pirro de seus proponentes? Infelizmente não. Os delírios identitários e a xenofobia, que caracterizaram substancialmente o movimento “Brexit”, têm uma boa oportunidade para se desenvolver ainda mais e imprimir sua marca na Grã-Bretanha e na Europa. E como os proponentes da retirada não podem mostrar sua raiva ao capital, eles descarregam-na de um modo ainda mais resoluto sobre imigrantes do Leste e do Sul e sobre os refugiados. Todavia, os governos de Paris e Berlin simulam determinação na luta contra a edificação da fortaleza britânica. O presidente francês Holland declarou peremptoriamente acerca das futuras negociações: “As liberdades são quatro ou nenhuma”. Se a Grã-Bretanha quer aproveitar a liberdade de circulação de mercadorias, serviços e capital, deve aceitar também a livre circulação de pessoas da UE. Esse é o teor da mensagem. Mas essa ainda não é a última palavra. O ex-chefe dos Instituto Ifo, Hans-Wenner Sinn, responsabilizou a migração em massa no interior da EU pela saída britânica e é possível que isso indique o terreno em que os Estados fundamentais da EU podem atender os britânicos. A livre circulação de capital e de mercadorias é essencial para a continuidade do funcionamento do sistema capitalista da EU, estando acima de qualquer outro tópico. Com a saída britânica, ameaça uma nova rodada de dumping social e salarial e uma ruptura dos diques em termos de racismo e de exclusão.

Restauração dos Estados nacionais

O referendo britânico marcou uma ruptura histórica. Pela primeira vez o neonacionalismo triunfou no grande cenário europeu sobre o globalismo de cariz neoliberal. Assim, a ideologia da restauração dos Estados nacionais finalmente deixou de ser uma corrente marginal para se tornar uma força historicamente poderosa. Segundo o mote “as derrotas de nossos inimigos neoliberais são nossas vitórias”, há tempos uma parte significativa da esquerda europeia tenta montar numa onda geral anti-EU, redescobrindo por si mesma o Estado nacional. Pablo Iglesias, o cabeça do Podemos, por exemplo, pronuncia frequentemente a palavra pátria. Na Alemanha, a presidente do Linkspartei, Sahara Wagenknecht, é a mais proeminente campeã do nacionalismo de esquerda. Como a maioria dos representantes dessa orientação, também baseia sua afirmação do Estado nacional como a defesa da democracia. “A democracia vive apenas no espaço capaz de ser gerido pelas pessoas”, como se pode ler numa antecipação de seu novo livro Reichtum ohne Gier (Riqueza sem ganância); e esse espaço imaginado como acessível e familiar, Wagenknecht encontra na nação. “Não é a política que deve ser internacionalizada, mas a estrutura econômica que deve ser descentralizada e reduzida”, ou seja, deve ser adaptada ao limitado horizonte de pensamento do espaço nacional. Há tempos que o capitalismo cresceu para além do ordenamento do Estado nacional que ele próprio criou. A ideia de que o sistema de riqueza capitalista pode ser domesticado, comprimido nos estreitos limites de sua política, é algo tanto utópico quanto reacionário. Quando a esquerda grega ou espanhola propagandeiam o êxodo da UE e a reconstrução da soberania nacional, ou seja, que o “povo” tome seu destino em suas próprias mãos, elas correm, assim, num árido deserto. Quando Wagenknecht fanfarrona sobre a soberania nacional, ela age como quinta coluna da AfD (Alternativa para a Alemanha). Existem milhares de razões para lutar contra a ditadura de uma economia fora de controle e de uma política da UE que se encontra a serviço dessa dominação. No entanto, essa luta deve ser conduzida desde o princípio em âmbito transnacional.

Texto publicado na Jungle World 28/2016

Triumph des Neonationalismus. Europa nach dem Brexit

 Tradução: André Villar Gomez


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