31.12.2015 

A turbamulta do iluminismo

Publicado em alemão em 2000 Deutsche Version

O Livro Negro do Capitalismo: entre a crítica e a ideologia do sujeito

Ernst Lohoff

Em Gênova, lê-se escrita sobre o portão das prisões e sobre os ferros dos condenados às galeras a palavra Libertas. Esse uso do termo é elegante e correto. Em verdade, são os malfeitores de todo tipo que impedem o cidadão de ser livre. Em um país onde essa turbamulta toda fosse colocada nas galeras, gozar-se-ia da mais perfeita liberdade. – Jean-Jacques Rousseau. Do Contrato Social

O sombrio anseio

Que a publicação de uma obra com pretensões de fazer crítica social radical provoque furor, isso é algo que não acontece todo dia. Esse raro destino coube ao Livro Negro do Capitalismo, de Robert Kurz. Hans-Martin Lohmann celebrou efusivamente, no principal veículo da classe média liberal alemã, o grosso calhamaço de 800 páginas, descrevendo-o como “a mais importante publicação dos últimos dez anos na Alemanha (“Die Zeit”, 16/12/1999). Os comentaristas da maioria dos outros jornais mostraram-se menos eufóricos, ou mesmo espantados. Uma verdadeira salva de impropérios desabou sobre o “panfleto incendiário voltado contra a economia de mercado e o capitalismo” (“Frankfurter Allgemeine Zeitung”, 24/01/2000). O Livro Negro, esse o tom dos ataques, nada mais é que as “confissões de um frustrado ativista de 68” (“Neue Zürcher Zeitung”, 10/03/2000). O autor da obra pretenderia, diante de uma audiência cativa, em uma “edição encadernada de panfletos pós-marxistas” (“Süddeutsche Zeitung”, 14/02/2000), soltar os cachorros.

Fato é que, se apresentasse somente teses bem conhecidas da tradição marxista, a recém-publicada obra naturalmente naufragaria no esquecimento, sem deixar rastro. É certo que as qualidades teóricas do “Canto do Cisne da Economia de Mercado”, esse o subtítulo do livro, tampouco conseguem explicar o impacto provocado. A obra antes “causou escândalo” (“Süddeutsche Zeitung”, 22/12/1999) porque tocou um ponto nevrálgico e, com seu estilo característico, atendeu a um anseio nada incomum.

Na última década, o terror da economia de mercado tomou formas verdadeiramente obscenas. Há tempos os administradores da “bela máquina” deixaram de agir da forma brutal como agiam quando da queda do socialismo real. Nunca antes eles venderam, com tão indizível e canhestra arrogância, o (auto)ajuste à engrenagem da valorização do valor como satisfação da humanidade – na certeza de que não há nenhuma alternativa a seu desvairado cinismo. Um tal desenrolar dos fatos simplesmente não pode, portanto, fazer nascer somente compreensão. Para aqueles incapazes de, sem vacilar, acompanhar passo a passo o processo acelerado e generalizado de emburrecimento, o desprezo da economia de mercado pelo ser humano e o idiotismo do tipo don’t-worry-be-happy despertam também ojeriza. Tal situação, porém, grita por vozes capazes de expressar o mal-estar oculto e, da forma a mais inocente, chamar de imposições as imposições.

A oeste do Reno, Viviane Forrester estabeleceu, com sua polêmica publicação O horror econômico, de 1996, um ponto de referência a esse difuso ímpeto crítico. Sua argumentação de fundo antes moralista do que, em um sentido estrito, analítica quanto ao capitalismo, combinou bastante bem não apenas com as mobilizações socialistas de protesto que abalaram o país no final de 1995, mas também amalgamou-se com a nostalgia do estado social que, subsequentemente, Bourdieu e Cia. elevariam a estatuto de programa. A leste do Reno, a sadomasoquista identificação com os imperativos do sistema, praticada extensivamente nos tempos da “parceria social” (Sozialpartnerschaft), havia se disseminado de forma muito mais ampla do que na França. Até segunda ordem, isso impossibilitou não somente o surgimento de mesmo limitadas tentativas de ações práticas de resistência social, semelhantes às que ainda ocorrem no país vizinho do oeste; e a sôfrega autorrepressão infiltrou-se mais radicalmente nos setores oficiais ou semi-oficiais da produção intelectual. Aqui nestas paragens, ninguém consegue impor distância suficiente em relação ao desvario da coação material a fim de, imbuído ao menos do ímpeto de uma crítica acerba á la française, dar voz ao mal-estar oculto. Ante o inteiriço paredão de lamentável conformismo, coube, de maneira amalucada, a um representante do mais básico e, em consequência, do aparentemente mais inocente tipo de crítica social a missão de clamar em alto e bom som o Não-Mediado e de alcunhar horrendo o atual estado do capitalismo. A fim de que se fizesse perceptível, ao lado das críticas de cunho racista-reacionário, uma voz alemã de contestação a soar de forma minimamente plausível, foi preciso que tomasse a palavra um autor que, além da fundamental crítica do valor, adota, na qualidade de arcabouço teórico, uma postura de ares quase esotéricos.

Na recepção do Livro Negro percebe-se com clareza a gritante discrepância entre, de um lado, a amplitude do ponto de vista a partir do qual a obra argumenta e, de outro, o limitado e bastante inespecífico anseio que, de antemão, satisfaz. Os comentaristas da mídia oficial cujo interesse o Livro Negro despertou – para uma boa parte dos leitores, o quadro não poderia ser outro – até aprovaram a tentativa de deslegitimar o capitalismo – o mesmo vale para a história da implementação dele. Já o subjacente ponto de vista contrário, uma crítica ao dinheiro, ao trabalho e ao sujeito com vistas a superar o capitalismo, ou foi educadamente ignorado pelos comentadores simpáticos à obra ou foi classificado como verborragia radical e descartável, sendo assim posto de lado. Dentre os críticos do Livro Negro, os ferrenhos defensores do status quo abordaram as consequências e os fundamentos da argumentação somente para, no máximo, discorrerem sobre assuntos vários, do suposto “nonsense evidente” à insustentabilidade da exposição como um todo. (“É preciso desenrolar esse livro de trás para frente, é preciso primeiro ter, diante dos olhos, esse desatino – que, para o autor, soa nada mais que coerente – para elaborar uma avaliação do todo.” (“Die Zeit”, 16/12/2000)).

Seria mais que precipitado reduzir a ampla acolhida do Livro Negro a uma disposição cada vez mais disseminada de apreender a crítica radical da sociedade. O sucesso da obra deveu-se muito mais ao fato de que, quando da recepção dela, os elementos essenciais da crítica do valor foram mantidos em grande parte à margem. Segundo essa lógica da omissão, pelo ocorrido devem ser responsabilizados não apenas os prognósticos segundo os quais a obra de Kurz vem sendo lida e absorvida. Com seu estilo, o Livro Negro caminha ao encontro da propensão de manter o arcabouço teórico na surdina; e poderia somente “sugerir” o motivo pelo qual o faz. O fato de o “Canto do Cisne da Economia de Mercado” ter chamado muita atenção enquanto a revista “Krisis”, na qualidade de porta-voz do processo de autoconhecimento segundo a crítica do valor, de modo geral, agora como sempre, ter ganhado peso somente nos debates travados dentro da esquerda, esse fato não decorre de uma mera questão técnica relativa à publicação das obras bem como não se esconde nessa diferença uma simples campanha de divulgação bem-sucedida. O Livro Negro tem o pendor de apresentar a crítica do valor de forma que os momentos desconfortáveis para o senso comum dominante possam ser engolidos sem serem notados e possam ser novamente expelidos sem terem sido, em grande parte, digeridos. A força sugestiva, que está não somente no tema do livro, mas também em sua forma de apresentação, seduz o leitor, levando-o a uma compreensão precipitada. Pode-se, sem dificuldade, atravessar incólume esse romance policial e passar batido pelas implicações mais profundas dele.

O Livro Negro encontrou eco disseminado não somente na mídia “burguesa”. No entanto, tomando como parâmetro as resenhas publicadas na “Konkret” e na “Jungle World”, não se pode, com segurança, dizer que a recepção da obra pela esquerda saiu-se melhor do que o restante. Os resenhistas levantaram contra a mais nova publicação de Kurz o que sempre quiseram levantar, ou usualmente levantam quando há oportunidade, contra a postura da “Krisis”. Qualquer um que, nos últimos anos, acreditou ver Kurz ou outro autor qualquer do grupo Krisis pisotear seu bem cuidado caminho de flores gritou, declarou a si próprio o umbigo do mundo e pretendeu ver em tudo aquilo um comentário do Livro Negro.[1] Quanto às novidades encontradas no “Canto do Cisne da Economia de Mercado”, os comentaristas todos, sem exceção, mostraram tão pouca sensibilidade quanto para o caráter específico do livro e os problemas relativos a essa especificidade.

Crítica do valor como crítica do sujeito

Uma análise, no entanto, aparta-se agradavelmente desse grupo de resenhas: o dossiê “Das wundersame Überleben des unmittelbaren Subjekts” (a incrível sobrevivência do sujeito sem mediação), de Udo Wolter (“Jungle World”, 21/06/2000). Não que Wolter ilumine criticamente todos os aspectos do Livro Negro – no caso dessa obra volumosa e de objeto tão vasto, essa tarefa ultrapassaria sem dúvida os limites até mesmo de uma análise ampla. Wolter destaca os aspectos mais fundamentais das questões contidas no Livro Negro e assim aborda exatamente aquele problema fundamental de que o modo de apresentação kurziano foge à sorrelfa: o problema do sujeito.

A respeito dos pontos de vista adotados pelos autores do grupo Krisis em outros textos, há um no qual a obra de Kurz excede-se. Rompendo com a tradição marxista, o livro, de forma peremptória, relega ao reino das fábulas a famigerada “missão civilizatória do capital”. Como Kurz, ao descrever a sociedade da mercadoria historicamente, tira-lhe de partida qualquer legitimidade, o Iluminismo em especial, mas não só, surge sob uma luz estranhamente sombria. Figuras luminosas como Kant ou Rousseau transformam-se, aos olhos dele, em obscurantistas que pertencem, tal como os liberais hardcore do naipe dos Mandevilles ou Sades, ao túnel do terror da história moderna. Com isso, a crítica da sociedade da mercadoria ganha não somente uma dimensão suplementar, histórica; a forma de apresentação, no Livro Negro, rompe também, em um sentido duplo, com a clássica concepção materialista da história. As 800 páginas podem ser lidas como uma enorme “contranarrativa”, o inverso da narrativa marcada pelo evolucionismo do século 19 segundo a qual a história da humanidade deveria ser interpretada como um desenvolvimento constante e como a consequência de específicos estágios determinados.[2] Além disso, com sua “teoria da conspiração sem conspiradores” (Handelsblatt), Kurz enfatiza a significância que coube aos precursores do liberalismo, de Hobbes a Smith, na instalação da “bela máquina”. A crer no Livro Negro, as ideias liberal-totalitárias foram muito mais do que apenas reflexos passivos de mudanças históricas reais. De modo que o movimento intelectual adiantou-se ao material, preparando-lhe o terreno e então, de certa maneira e só assim, tornando-o possível.

No Livro Negro, porém, a ruptura com o pensamento iluminista esconde um empecilho. Ela omite a genuína contribuição dele à história da modernização, para ser mais exato, a parte que lhe cabe na constituição do sujeito. No relato apresentado na obra, a responsabilidade dos iluministas pela imposição do domínio abstrato, mediado pelo valor, esgota-se basicamente na divulgação da “bela máquina” e do correspondente adestramento dos seres humanos. A questão sobre um nexo interno entre a enfática noção iluminista de sujeito e o sujeito automático, o valor, não chega nem mesmo a entrar no campo de visão do livro, quiçá ser respondida.[3] O iluminismo só é realmente apreendido quando o enfático conceito de sujeito é colocado em questão.

A crítica do valor é mais do que apenas uma crítica dos modos de produção e distribuição dominantes. Essa crítica contém essencialmente uma crítica radical às formas de consciência, cognição e relação típicas dessa sociedade. No entanto, a característica mais basal da experiência de mundo de uma sociedade mercantil torna-se visível na cisão entre o sujeito abstraído para fora de seu entorno e uma realidade dele radicalmente apartada e, por isso, transformada em fator externo. Independente de se individual ou coletivo[4]: o estatuto de sujeito obtém-se no momento em que a totalidade, aquilo que compõe o ser-aí (Dasein) social e humano, passa a ser encarado como algo alienado. O pensamento burguês associa essa alienação com liberdade. No entanto, por detrás da contradição dicotômica entre indivíduo e sociedade, entre sujeito e estrutura social, esconde-se nada mais que a lógica pérfida da sociabilidade associal. No instante em que o sujeito enaltece a si próprio na qualidade de agente isolado, reconhece, de partida, a objetivação do contexto social. Ele está entregue a essa objetivação e transforma-a imediatamente em ato – e isso é essecial – na forma pela qual, como sujeito, enceta relações com seus semelhantes.

A identidade entre constituição subjetiva e domínio do valor marca também a relação com a natureza. Os seres humanos não conseguem metamorfosear-se em sujeito sem que seu “corpo inorgânico” (Marx), dividido em tantas partes, desintegre-se em uma aglomeração de corpos passivos. O içamento a sujeito degrada o resto do mundo a uma descontextualizada e passiva massa ordenada (Verfügungsmasse). Essa desvalorização (pressuposta pela valorização) da natureza viva e morta tampouco preserva, claro, a relação do ser humano com sua natureza interior. Ao lado da relação com a natureza, também a relação consigo próprio adquire uma feição tanto unidimensional quanto de dominação. O sujeito chega a si no momento em que apreende a si próprio da maneira compartimentada e subsumidora com que agiu ao entrar em contato com a natureza externa. O sujeito não existiria se, em relação a suas necessidades, seus sentidos e sua corporeidade, adotasse postura diferente daquela que adota em relação a um objeto exterior.

Em primeiro lugar, cabe ao pensamento iluminista um papel fundamental na construção da sociedade da mercadoria porque foi esse pensamento o responsável por “inaugurar” esse tipo de experiência de mundo e por dar início a sua popularização. Na autorreferência do sujeito alienado esconde-se, desde o princípio, a autorreferência da “bela máquina” destruidora de mundos.

Desde Descartes aos menos já se identificam raízes do moderno processo de ajustamento. Nos escritos dele, o sujeito alienado em relação ao mundo é ainda um puro problema cognitivo. Descartes faz esse sujeito, à busca de um saber metafísico desprovido de dúvidas, errar pelo mundo de forma tão desorientada que a única certeza restante, a seus olhos, é o solipsístico cogito, ergo sum. Essencialmente, 300 anos de histórida da modernidade não apresentam, como conteúdo, nada mais que a transferência dessa solipsística (sofística) postura basal à vida prática. Ao final desse longo caminho, encontra-se o sujeito (pós-)moderno, que somente por meio do trabalho e do consumo é capaz de garantir a mera existência de si próprio e do mundo exterior.

A dialética negativa do iluminismo

Em sua crítica histórico-descritiva da “bela máquina”, o Livro Negro deixa de lado a dimensão subjetivo-crítica, e isso especificamente ao ser vago a respeito da questão. Consequentemente, a crítica ao pensamento iluminista funciona bastante mal quanto ao tom, mas não quanto a seu objeto. É nesse ponto que a crítica feita por Wolter crava as garras. Contra a representação do iluminismo e da modernização no Livro Negro, o crítico lança mão do ponto de vista da Dialética do Iluminismo. Enquanto Adorno e Horkheimer insistiram na simultaneidade de emancipação e dominação, Kurz, segundo Wolter, argumenta de forma grosseira e joga para debaixo do tapete os momentos emancipatórios da modernidade e do iluminismo.

Wolter não chega a designar literalmente quais seriam esses momentos emancipatórios. O leitor, em especial diante da esmagadora quantidade de material contida no Livro Negro, gostaria de ver uma indicação mais precisa a esse respeito. No entanto, terá de se contentar com um embate de declarações. O indício de que há legiões de corvos negros não prova que não haja ou que nunca tenha havido corvos amarelos, brancos ou verdes.

Para sustentar sua contestação, Wolter apela, na qualidade de testemunhas exemplares, a Adorno e Horkheimer. E, a partir daí, dá a entender que, de forma semelhante à teoria crítica, situa o suprimido momento emancipatório no processo de constituição do sujeito. Sua principal crítica às ideias de Kurz alimenta, de toda forma, essa impressão. Não incomoda Wolter, porém, o fato de que, no Livro Negro, “o fato de que, no Livro Negro, emancipação ainda pareça rimar com sujeito”; soa-lhe suspeito simplesmente a ontologia subjetiva que vê em funcionamento na obra de Kurz. Com isso, não insinua Wolter, indiretamente, como o faz a teoria crítica clássica, que somente o sujeito pode constituir o fundamento para qualquer perspectiva emancipatória e que esse fundamento, infelizmente, perdeu-se?

Prossigamos. – No entanto, mesmo que se entenda ser a crítica do valor a crítica do sujeito, nada indica que a Dialética do Iluminismo argumenta de forma “mais complexa” a respeito de seu objeto do que o Livro Negro porque teria por base uma crítica mais profunda ao capitalismo. Ao contrário, é outra a impressão que fica. Não tanto o real processo histórico de imposição da sociedade mercantil mostrou-se tão horrivelmente ambivalente, mas antes a postura da teoria crítica em relação a esse processo. Adorno e Horkheimer testemunharam as consequências homicidas do iluminismo, da modernização e da remodelação do ser humano em sujeito, no entanto não conseguiram afastar-se de forma coerente da tradição cultural presente na base de todos esses terríveis acontecimentos. Temendo o irracional da modernidade, os adeptos da teoria crítica adotaram uma postura meio conciliatória em relação a seu irmão, a racionalidade iluminista. Sendo assim, recuaram quando se tratou de chegar à conclusão verdadeiramente lógica e de cogitar a possibilidade de pensar a liberdade como superação do sujeito e da razão. Exatamente por isso, a teoria crítica acabou por ser, quase que exclusivamente, uma teleologia histórica voltada para o negativo. No caso do momento emancipatório, que, em algum momento, deveria ter ficado pelo caminho, algo incorporou-se ao processo iluminista e à constituição do sujeito da mercadoria que, em nenhum dos dois, esteve alguma vez presente. De forma nenhuma, “transforma-se a razão”, como apregoa a fórmula repisada por Wolter, “em irracionalidade e barbárie”. A razão abstrata do iluminismo é pura e simplesmente, por si só, bárbara, e razão e irracionalidade são tão idênticas quanto trabalho e capital.

Uma argumentação fundamentalmente crítica ao sujeito nem se deixa emaranhar nas aporias típicas da teoria crítica e nem precisa negar todos os momentos emancipatórios da história. Nesse caso, porém, os esforços de libertação encontram-se em local totalmente outro: em certa medida, e no máximo, pode-se falar de uma “dialética do iluminismo” no sentido de uma “dialética negativa”. Então, algo como uma perspectiva emancipatória só poderia surgir na contramão do processo de racionalização, imposição e iluminismo; essa perspectiva, contudo, nunca teria feito parte desses desenvolvimentos. O Livro Negro não chega a discorrer categorialmente a respeito dessa questão, mas, no material histórico que apresenta, garante plausibilidade a essa tese.

Pela porta de trás, o sujeito

Nas cores sombrias com que o Livro Negro pinta o retrato do capitalismo, não há motivo para misturar alguns traços de tinta mais clara ou para salvar nacos de fé no iluminismo. Acima de tudo, não há motivo para projetar a representação enfática do sujeito iluminista em qualquer outro depositário de esperanças. Justamente sob essa ótica é que a crítica feita por Wolter coloca o dedo na ferida já existente. Kurz sabe, com exatidão, que a crítica do valor compreendida como crítica do sujeito veta que os movimentos contestatórios do passado sejam, a seu turno, apresentados como um tipo de antissujeito. O próprio Kurz, em seu ensaio “Subjektlose Herrschaft” (Dominação sem sujeito, “Krisis” 13), afirmou isso. Consequentemente, encontram-se no Livro Negro, em diversas passagens, formulações que se voltam contra um retrato idealizador das revoltas sociais dos séculos 18 e 19 e que insistem no caráter multifacetado desses movimentos. No longo prazo, contudo, o estilo da prosa adotado pelo Livro Negro desmente, de forma recorrente, esses avisos. Kurz toca uma melodia que somente um teclado alijado da crítica do valor consegue reproduzir.

Em parte isso resulta, sem sombra de dúvida, do foco adotado pelo Livro Negro. O verdadeiro tema do livro é o desenvolvimento do capitalismo e seu poder de subsunção. As revoltas sociais dos séculos 18 e 19 são usadas somente como um material de contraste, preferencialmente para enfatizar o caráter subalterno do clássico movimento trabalhista já ajustado à integração, no mundo, entre trabalho abstrato e valor. Ante uma postura tão estreita nesse sentido, a padronização forçada, idêntica ao avanço da lógica capitalista, acaba por contaminar a representação dos momentos de resistência apresentados. O fato de o imenso rolo compressor da modernidade ter passado por cima de todos esses movimentos contestatórios faz com que tais movimentos sejam apresentados com uma coerência interna ausente deles. E, assim, surge a impressão de que estaríamos, novamente, frente a um sujeito.

Essa falsa padronização diz respeito – e aqui, uma vez mais, Wolter tem razão – não somente às revoltas sociais de um passado longínquo. Aos olhos dos arroubos contestatórios alimentados pelo Livro Negro, que são também arroubos contestatórios ajustados por osmose e bastante vagos, o contraponto à lógica coisificante do capitalismo parece tanto nebuloso quanto uniforme, e portanto inalterável. Apela-se, então, a algo nada muito diferente da eterna vontade de não participar do desvario capitalista. Permanece, contudo, sem ser esclarecido aquilo de que essa vontade consegue se alimentar, qual substância teria ela para além do gesto de negação. A atitude existencial ajuda a sustentar a lacuna teórica, mas somente sob a pena de a resistência invocada adotar justamente um matiz irreconciliável com a teoria do valor, para ser mais exato, o matiz de uma conditio humana.

É fundamental e acertada a disposição kurziana de combater, com afinco, a naturalização do desvario capitalista. O lema segundo o qual todo tipo de rebelião demandaria menos esclarecimento que o fato de os seres humanos internalizarem os imperativos do capitalismo e defenderem-nos como se lhes fossem próprios, esse lema, funcionando como provocação polêmica, casa bem com a intenção do Livro Negro de negar ao capitalismo qualquer tipo de legitimidade. Infelizmente, a desnaturalização do capitalismo ameaça trasnformar-se na naturalização da resistência às leis coercitivas do capitalismo. A melodia de indignação generalizada que a obra toca é tão monocórdica e uniforme quanto o sujeito idêntico a si próprio.

O fato de o Livro Negro substituir, em um ponto essencial, a análise pela indignação reflete tanto o mesquinho anseio do público em geral quanto o estado da crítica social nesse quesito. Seria mais do que fatal se a crítica do valor se contentasse com a solução sugerida pelo Livro Negro e se a tomasse como resposta definitiva, calando a pergunta feita aqui e que deveria continuar em aberto: como se pode pensar, em relação ao passado e em relação ao século 21, a emancipação de um ponto de vista crítico do sujeito?

O fracasso ante o fracasso

Wolter acusa Kurz de idealizar as revoltas sociais dos primórdios do século 19. E identifica, particularmente na disseminação de um padrão antissemita dentro desses movimentos, um indício do caráter ambivalente deles. Kurz trata o antissemitismo como um elemento em si estranho ao mundo da moral economy, um elemento que somente na Alemanha misturou-se às revoltas populares. Wolter, pelo contrário, vê uma correlação intrínseca entre, de um lado, um ressentimento contra os judeus difundido para muito além do território alemão e, de outro, o caráter localista, em muitos aspectos reacionário e repressivo, que atribui a esses movimentos populares.

Por menos que eu queira ou consiga decidir esse embate, o ceticismo de Wolter, na minha opinião, parece indicar um problema fundamental da exposição realizada pelo Livro Negro. No caso das revoltas populares do século 18 e do início do século 19, encontra-se, segundo um certo ponto de vista, um movimento de resistência desde o início castrado. Os luditas e cia. centraram-se essencialmente na luta contra os representantes diretos da esfera da circulação. Dessa forma, por exemplo, não se voltaram com maior carga ofensiva contra o regime estatal dominante. (Wolter trata desse assunto quando discorre sobre os governantes justos que estariam presentes nesses movimentos.) Esse é um indício de que pré-requisitos e parâmetros fundamentais do domínio capitalista já se haviam fixados e tinham sido aceitos quando eclodiu o “ataque às máquinas”. Em outros contextos, Kurz enfatiza, de bom grado e reiteradamente, o papel desempenhado pelas guerras de formação do Estado, nos primórdios da modernidade, quando decolava a sociedade da mercadoria. Estranhamente, não lhe ocorre, no Livro Negro, relativizar a amplitude das revoltas populares do século 19.

Pode ser que aos ouvidos dos materialistas da história soe tresloucado isto, mas talvez (não só) as disputas intelectuais preliminares que capitanearam o avanço da socialização da mercadoria viram-se travadas em um contexto religioso, muito antes de a produção da mercadoria ter afetado, em larga escala, as relações cotidianas de reprodução. Quem pretender buscar movimentos populares que não apenas resistiram às consequências da lógica da mercadoria mas também imaginaram um mundo totalmente outro deve voltar sua atenção para os movimentos cátaros do final da Idade Média e o início da era moderna. Esses movimentos apresentavam como substrato uma visão de mundo capaz de, sob qualquer aspecto, da forma como viam a natureza até sua recusa primordial ao dinheiro,[5] oferecer oposição à visão moderna de mundo. Com o final das revoltas camponesas e a supressão do movimento anabatista, no máximo, fechou-se esse capítulo da história alemã e abriu-se mão de oferecer a essa visão de mundo uma dimensão mais ampla.

Essencialmente, Kurz responsabiliza pelo caráter subalterno do movimento trabalhista o fato de ele ter sido erigido calcado em uma derrota devastadora, a qual aceita. No entanto, a respeito das revoltas populares do século 19, pode-se, de certa forma, dizer o mesmo.

Emancipar-se significa emancipar-se do sujeito

Wolter descreve as revoltas populares do início do século 19 como “mélange de elementos ambivalentes”. Em um primeiro momento, pouco há que opor a essa constatação. Porém, como Wolter pretende que esse diagnóstico tenha caráter crítico, impõe-se a pergunta: o que o escritor considera problemático naqueles movimentos? Significaria que as revoltas populares ganharam importância porque só poderiam levar a uma direção compatível com o capitalismo, logo reacionária, ou, para Wolter, qualquer mistura é por princípio suspeita? Se for este último o caso, ele nunca poderia contentar-se com qualquer mobilização passada ou futura. Movimentos emancipatórios só podem nascer da mistura de motivações díspares, em parte contraditórias. A eventual exigência de uniformidade significaria nada mais que clamar pelo conceito de sujeito e reproduzir a lógica de subsunção da sociedade da mercadoria na forma de uma pretensão supostamente emancipatória.

A disseminação do movimento trabalhista, não somente como imperativo prático a ser imposto mas também como demanda teórica, contribuiu essencialmente para essa tendência. Originalmente, o movimento surgiu como conglomerado de lutas espontâneas e diretas pela melhoria das condições de vida e de trabalho, como reunião de diferentes posturas na auto-organização cooperativa e nos discursos críticos à sociedade circundante. Justo na submissão de seus aspectos sociais ao “primado da política” completou-se, em essência, a integração dessa oposição à ordem da sociedade da mercadoria.[6] À medida que o movimento trabalhista acreditava ter de atuar como sujeito (político) e que, seguindo essa orientação, degradava tudo mais à condição de acessório, desapareciam todos os traços de qualquer resistência a uma mera função modernizadora.

Não somente nas revoltas do início do século 19, mas também em outros movimentos populares do passado, rebrilha algo capaz de transcender a forma da sociedade da mercadoria. O pano de fundo disso deve sempre ser buscado no choque entre, de um lado, a transformação imposta pela sociedade da mercadoria e, de outro lado, as formas tradicionais de vida e de pensamento bem como as consequentes assincronias. O horizonte de libertação não deve nem ser identificado com a onda modernizadora (ou com qualquer outra tendência subjacente) e nem localizado na natureza das rochas nas quais despedaça-se. (As duas posturas resultariam em um pensamento ontológico e, portanto, subjetivo.) Esse horizonte, antes, surgiu como uma rara forma de espuma do mar da história e desapareceu tão logo quaisquer impedimentos ao processo de modernização foram aplainados ou por inteiro pulverizados. Onde ainda estivesse presente a consciência de que as relações sociais poderiam seguir regras diferentes daquelas induzidas pela concorrência, a fragmentação da antiga estrutura social tornou ao menos imaginável uma nova composição das relações sociais e, nessa nova composição, poderiam ser incluídas, em um sentido libertador, elementos arrancados da sua antiga ordem. Essa perspectiva contrária, no entanto, perdeu vigor porque, com a disseminação do valor, porções cada vez maiores da visão de mundo e da vivência de mundo oferecidas pela sociedade da mercadoria viram-se naturalizadas e internalizadas. Nos últimos duzentos anos, mesmo nos locais em que reapareceram, os movimentos de resistência perderam raio de alcance.

Constatar essa longeva tendência de desradicalização não significa tomá-la em si como irreversível. A aniquilação de momentos pré-capitalistas ainda remanescentes não oferece, de modo nenhum, o único ponto de partida possível para o surgimento de uma resistência emancipatória. Essa pode fulgurar também em lugares onde cenários inicialmente nascidos da lógica do valor mas envelhecidos ameaçam ser atropelados pelo sujeito automático. O que antes teve importância histórica na qualidade de elemento do ajuste empreendido pela sociedade da mercadoria acabou, com a passagem a novos níveis do domínio capitalista, por tornar-se anacrônico e servir, em alguns casos, em um novo contexto, para um rearranjo emancipatório. Posturas consideradas disfuncionais do ponto de vista do capitalismo transformam-se para fins de domínio ou simplesmente desaparecem. No entanto, elas podem também entrar em sintonia com a crítica da sociedade. O ímpeto igualitário, por exemplo, sem dúvida funcionava, nos tempos inaugurais do trabalho fordista, como momento da cooptação, e acompanhava a integração do material humano à “bela máquina”. Apesar disso, não se pode excluir de antemão a possibilidade de, na passagem para a sociedade segregacionista do pós-fordismo, esse ímpeto ser mobilizado contra a lógica de exclusão característa da nova fase e, assim, transmudar-se em algo totalmente diferente. O mesmo talvez se possa dizer sobre o encanecido ideal de formação, há muito o paradigma para domar seres humanos. Com a redução do saber à informação, a conhecimentos imediatistas e isolados, a ideia de pensar contextos como um todo adquire, por si só, ares subversivos. Mesmo a colossal aceleração experimentada na marcha da sociedade da mercadoria cria uma grande quantidade de pontos de atrito.

A fim de que tais elementos tornem-se efetivos e que possa surgir uma fagulha emancipatória, é necessária a entrada em cena de um fator determinado. Uma crítica ao mesmo tempo radical e palpável da moderna sociedade da mercadoria capaz de quebrar-lhe o monopólio da visão de mundo e capaz de criar uma moldura inicial e provisória, uma moldura referencial para o espírito humano dentro da qual podem correlacionar-se e convergir diferentes impulsos de resistência. As revoltas populares do início do século 19 acabaram dando com os burros n’água porque, ao fim e ao cabo, o nível mais abrangente já havia sido entregue de bandeja. No século 21, uma perspectiva emancipatória só conseguirá delinear-se, a priori, se a crítica à sociedade chamar para si a iniciativa também nesse nível e quebrar a supremacia intelectual da insanidade característica da sociedade produtora de mercadoria.

A morte na autoestrada da informação

Sem tratar da marcha triunfal da microeletrônica, mal se pode descrever, menos ainda compreender, a aceleração promovida pela expansão da sociedade produtora de mercadoria. Nos últimos capítulos do Livro Negro, esse fator desempenha então, logicamente, um papel fundamental. As considerações feitas por Robert Kurz deixam de lado, porém, justo o ponto decisivo para o desenvolvimento de uma perspectiva emancipatória. Ele sublinha o fato de que a utilização da microeletrônica cria novas crises em potencial ao suprimir em grande escala o trabalho vivo; de outro lado, Kurz celebra a microeletrônica ao identificar nela um eficiente meio de futura socialização direta. Em uma sociedade livre, lançando mão da ampla “rede de dados”, seria possível, sem dificuldade, desempenhar diretamente funções de coordenação que hoje se realizam por meio do dinheiro, o veículo da socialização indireta. A pergunta a respeito da direção que a microeletrônica, sob o jugo do capitalismo, impõe às relações sociais acaba, contudo, posta de lado. E junto com ela desaparece também a dúvida sobre se, em face desse quadro, as consequências da revolução microeletrônica poderiam ser redirecionadas de modo a terem um efeito emancipatório. E nem mesmo chega a ser aventada a questão sobre como uma tal “reforma da casa” poderia ser colocada em marcha. Em contraste, quando Wolter, citando Rudi Schmiede, qualifica constantemente o trabalho no setor da informação como “literalmente trabalho abstrato” e, portanto, como quintessência da renovada opressão, nada mais faz do que deixar evidente tal lacuna.

Devem ser compatíveis com uma perspectiva emancipatória antes os anseios e atitudes aniquilados pela era da informação do que a identificação total com as bênçãos dela. No entanto, com sua conclusão por analogia, Wolter talvez simplifique demais as coisas ao dizer que não seria possível, como faz Kurz, condenar o automóvel na qualidade de tecnologia exclusiva da sociedade produtora de mercadoria e pretender avançar rumo à emancipação pela autoestrada da informação. Diferentemente do automóvel – um avanço tecnológico concreto –, a inovação essencial da microeletrônica permite, a princípio, configurações e aplicações totalmente díspares. Essa inovação pode, a depender do fim social pressuposto, plasmar-se em formas tecnológicas variadas. Tanto a crítica precipitada às forças produtivas quando um entusiasmo ingênuo com a tecnologia desviam o olhar do essencial: a configuração da tecnologia é, ela própria, campo de batalha. Esse território hoje em dia, sem dúvida, é dominado pelo imperativo da sociedade produtora de mercadoria a fim de desintegrar em objetos mercantilizáveis o entorno dos seres humanos e transformar os próprios seres humanos em mônadas isoladas e desprovidas de si mesmas. Na autoestrada da informação corre em direção ao indivíduo o ajuste da sociabilidade da mercadoria, não a emancipação. Não há motivo nem para negar esse fato e nem para mistificá-lo tomando-o como algo imutável dominado pelo avanço automático do desenvolvimento tecnológico.

Não basta, no entanto, uma simples mudança na aplicação das soluções tecnológicas com as quais o capital deleita o mundo. A fim de a utilização da microeletrônica conquistar alguma relevância emancipatória, ela precisaria adaptar-se justamente àquilo que é incompatível com sua missão atual. Um veículo que transporta somente dados, fatos, informações e como quer que se chamem as outras formas adotadas pela ignorância dominante deveria, de maneira contextualizada, entrar em consonância, e mesmo ser pensado em consonância, com o desejo apontado para o sentido contrário e hoje totalmente esquecido. O meio onipresente da arbitrariedade, da ausência de contexto e da aceleração sem sentido deveria soar em uníssono com o anseio por desaceleração e por despoluição da existência. É impossível haver um sujeito histórico capaz de realizar essa ambiciosa missão. Talvez um mélange consiga formar-se que seja capaz de realizar algo do tipo.

Tradução de Rodrigo Campos Castro

[1]
Michael Heinrich, economista do grupo Prokla, propôs-se a resenhar o Livro Negro (“Konkret”, 04/2000), mas conseguiu elaborar tão somente um retrato bastante caricatural da “teoria do colapso”, segundo elaborada pelo Krisis, com o propósito de contrapor a um fantasma talhado por ele mesmo um par de obliqüidades tiradas de sua teoria do valor, supostamente “mais séria” e alçada a algum tipo de sumidade. Heinrich não aborda nem em sonho o fato de que a publicação a ser resenhada difere de um trabalho canônico sobre a crítica da economia política, de que se trata, em essência, de um trabalho histórico que só pode pincelar as questões centrais de política econômica, questões a serem, consequentemente, transportadas a um nível empírico. Em sua resenha (“Konkret”, 05/2000), Günther Jakob, do grupo Antideutsche (antialemães), tampouco discorre propriamente sobre o livro de Kurz. Para Jakob, o Livro Negro resume-se todo nas 22 páginas do capítulo que, apoiando-se largamente no texto de Moishe Postone, discorre sobre a “fábrica negativa de Auschwitz”. Toda tentativa de relacionar a aniquilação dos judeus com o processo terrível da modernidade vale como absolvição dos responsáveis. Kurz tentou fazer isso. A mera tentativa merece ser condenada. Quem pensa algo do tipo, merece ser denunciado como o esquerdista Ernst Nolte. Martin Janz, rival de Jakob dentro do grupo Antideutsche, adota postura semelhante (“Jungle World”, 08/03/2000). O Livro Negro lida com a Shoá de forma diferente do que prevêem as diretrizes da redação da revista “Bahamas”. Sendo assim, Janz vê-se obrigado a tirar o cartão vermelho do bolso. Thomas Kuczynski enfrenta um problema totalmente diferente. Ele não pode endossar a postura desrespeitosa do grupo Krisis frente ao sagrado trabalho e, coerentemente, redireciona sua resenha sobre o Livro Negro (“Jungle World”, sem data) de modo a lançar um ataque bastante áspero ao Manifesto contra o Trabalho.

[2]
Na revista “Krisis”, esse aspecto foi abordado por alto, até agora, em meu texto “Determinismus und Emanzipation” (Determinismo e emancipação, “Krisis”, 18). Nas discussões internas, a renúncia à compreensão marxista da história desempenha um papel central.

[3]
Um trabalho de viés histórico-descritivo como o Livro Negro não conseguiria realizar essa tarefa. Realizá-la implicaria uma postura totalmente outra, uma de tipo categorial-analítico, além de uma argumentação imanente a respeito das obras capitais do iluminismo. Infelizmente, porém, a escrita por demais fulminante do Livro Negro sugere que tudo o que há por dizer dito está.

[4]
O conceito de sujeito é usado com frequência em um sentido duplo. Ele designa tanto o nível individual quanto o nível metassubjetivo (à la classe trabalhadora ou nação). Esse uso do termo não é nem casual nem indica uma mera analogia. Antes esconde-se por detrás dele algo como uma identidade estrutural. Discorrer a respeito dessa relação significaria ultrapassar o escopo desta resenha. Porém, pouco mais à frente, quando eu tratar da questão da emancipação do sujeito sem quase sair do nível do metassujeito, aquela relação estará subentendida.

[5]
Nos movimentos cátaros, e também em movimentos reformistas presentes dentro da Igreja, durante o final da Idade Média e o começo da modernidade, o dinheiro ainda era tido como o “excremento do diabo”.

[6]
Era portanto um problema meramente secundário saber se “a tomada do poder estatal” seria pensada como um ato revolucionário ou um resultado do sucesso eleitoral.