por Ernst Lohoff
Jungle World 2025/47 de 20.11.2025
O setor de IA mobiliza somas astronômicas de capital monetário. Para as empresas de tecnologia que investem nele, até agora não tem sido um negócio lucrativo, mas mesmo assim suas ações atingem valores recordes. Enquanto isso, aumentam os alertas sobre uma bolha de IA, que pode estourar em breve, tal como na bolha da internet no final da década de 1990. No entanto, a estrutura de mercado e a dinâmica de desvalorização dos dois setores são bastante diferentes.
Em geral, especialistas em economia não conseguem prever o estouro das bolhas financeiras ou só o percebem muito tarde. Foi o que aconteceu no outono de 1845, quando uma quebra da bolsa de valores interrompeu abruptamente o primeiro grande boom ferroviário na Inglaterra e arruinou financeiramente muitos investidores – incluindo Charles Darwin. No início do milênio, a situação era semelhante. Alguns meses antes do estouro da bolha da internet, em março de 2000, a maioria dos economistas ainda previa a alta das ações de empresas de TI.
O quadro atual é diferente. Nunca antes o período de alerta foi tão longo. Há cinco anos, no início do boom da IA, publicações como Financial Times e Wall Street Journal já falavam de uma possível bolha. Agora, quase todos advertem para um crash. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco da Inglaterra mostram-se tão preocupados quanto o Deutsche Bank e a imprensa econômica alemã. Figuras proeminentes do setor de TI, como Sam Altman, CEO da OpenAI, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Bill Gates, também atuam como profetas da crise. No final de outubro, Oliver Welke brincou no programa satírico “Heute-Show” sobre a “fragilidade da bolha da IA”. Na mesma semana, o Tagesschau noticiou que “a fabricante de chips Nvidia se tornou a primeira empresa a atingir valor de mercado de cinco trilhões de dólares”. Como resultado desse nível recorde, o índice de ações Nasdaq da bolsa de tecnologia dos EUA também atingiu um recorde histórico.
É claro que também há vozes dissidentes, como Jerome Powell. O presidente do Federal Reserve, como um curandeiro da fé, teve de declarar recentemente que o boom da IA não é uma bolha e que não vê paralelo entre a bolha da internet e a atual alta nos preços das ações das empresas de IA.
Um paralelo com a bolha da Internet
Uma característica comum, no entanto, é evidente: na segunda metade da década de 1990, os preços das ações de muitas startups dispararam – embora apenas umas poucas tenham se tornado lucrativas. Bastava que estivessem de algum modo ligadas aos primeiros passos da internet. Desde o início desta década, a palavra mágica “IA” tem efeito semelhante, alimentando as fantasias dos investidores. Qualquer um que tenha prometido fazer dinheiro com IA conseguiu, até agora, captar enormes quantias de capital monetário para um negócio que, antes de tudo, custa muito dinheiro.
Um exemplo notável é a OpenAI, operadora do ChatGPT. Somente no terceiro trimestre deste ano, a empresa teria registrado prejuízo de doze bilhões de dólares. Apesar das perdas enormes, seu valor de mercado disparou para 500 bilhões de dólares. As seis maiores empresas de tecnologia dos EUA (Nvidia, Microsoft, Apple, Amazon, Meta e Alphabet), que investem bilhões em IA, vivenciam um fenômeno semelhante. Seu valor na bolsa aumentou em aproximadamente oito trilhões de dólares nos dois primeiros anos desde o lançamento do ChatGPT, em novembro de 2022. Isso equivale a cerca de duas vezes o PIB anual da Alemanha.
Como demonstrou o estouro da bolha da internet, essas enormes quantidades de “capital fictício” (Marx) também podem evaporar se os lucros esperados não se concretizarem e houver uma fuga de investidores decepcionados. Naquela época, cinco trilhões de dólares em ações de empresas de TI em todo o mundo foram dizimados em três anos. A Bolsa de Valores de Frankfurt também não escapou. Quando suspendeu a cotação do índice Nemax em março de 2003, empresas negociadas no Neuer Markt (um segmento da Deutsche Börse introduzido na década de 1990, inspirado na Nasdaq) haviam perdido 95% de seu valor em comparação com o pico da especulação. A Nasdaq americana, por sua vez, levou 15 anos para retomar o nível de março de 2000.
Uma coisa é certa: um colapso da IA não seria uma simples repetição do cenário de colapso da Nova Economia. Em primeiro lugar, o progresso da digitalização mudou fundamentalmente o ponto de partida. A digitalização tornou-se onipresente e de um modo negativo na forma econômica privada. Os gigantes da tecnologia de hoje são sobreviventes da extinção econômica em massa daquela época. Toda a infraestrutura digital global é propriedade privada dessas corporações. As “Sete Magníficas” (que, além das empresas de tecnologia mencionadas, incluem a Tesla) ocupam posições estratégicas importantes que lhes rendem lucros enormes.
Na bolha da internet, as startups jovens — com exceção das empresas de telecomunicações — eram as portadoras de esperança. Na bolha da IA, os gigantes de TI já estabelecidos não participam apenas como investidores, mas também estão na vanguarda do desenvolvimento da IA. Além disso, os requisitos financeiros para o desenvolvimento do setor de IA são muito maiores do que eram para a construção da indústria de TI. É claro que também foram necessários grandes investimentos para a construção de redes móveis e infraestrutura digital. No entanto, comparado às somas exorbitantes que as empresas de IA já gastaram e ainda planejam gastar, o capital necessário naquela época parece quase insignificante.
A expansão da capacidade computacional, em particular, consume somas astronômicas. Segundo estimativas do banco de investimentos Morgan Stanley, de Nova York, os gastos globais com a construção de data centers chegarão a cerca de três trilhões de dólares até 2028. Isso supera até mesmo as capacidades financeiras das grandes empresas de tecnologia. De acordo com as estimativas dos analistas, tais empresas só poderão arcar com pouco menos da metade desse montante. A lacuna tem de ser preenchida de outras maneiras, principalmente por meio de empréstimos.
A participação dessas empresas no financiamento de projetos de IA já disparou. Até mesmo corporações como a Meta, que por muitos anos financiaram seus investimentos com fluxo de caixa, mudaram suas práticas financeiras. Para construir o data center Hyperion, na Louisiana, a Meta, em conjunto com a empresa de investimentos e coproprietária Blue Owl Capital, gastará mais de US$ 26 bilhões em capital emprestado – a Meta investiu US$ 6 bilhões de seu próprio capital. A situação da dívida em empresas de IA de segunda e terceira linha parece muito mais dramática. “Mesmo a pequena empresa britânica de IA em nuvem, Fluidstack, que empregava apenas dez pessoas no ano passado, teria tomado emprestado até US$ 10 bilhões do banco de investimentos australiano Macquarie”, noticiou o Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) no início de novembro. Os chips de IA da empresa servem como garantia.
Particularidades da bolha de IA
O enorme fluxo de recursos financeiros externos para alimentar a euforia em torno do setor de IA depende, naturalmente, da manutenção das expectativas de retorno dos investidores. O fator decisivo é a evolução do faturamento. De acordo com uma previsão da consultoria Bain & Company de setembro, as empresas de IA precisam gerar US$ 2 trilhões em receita por ano até 2030 para que se tornem lucrativas. No entanto, a líder de mercado Open AI atingiu apenas US$ 4,3 bilhões em faturamento no primeiro semestre de 2025.
Será que o negócio com aplicativos comerciais de IA vai realmente crescer tão rapidamente para atingir essa escala exorbitante? Isso é duvidoso, pois a euforia dos potenciais usuários de IA com alto poder aquisitivo já diminuiu. Se dermos crédito ao estudo “State of AI in Business 2025” do Massachusetts Institute of Technology, 95% das empresas que começaram a trabalhar com IA ainda não registraram nenhum aumento de produtividade ou crescimento.
Trata-se provavelmente um fenômeno transitório. Leva tempo para adaptar os processos operacionais à IA, e os funcionários, que temem perder seus empregos, resistem à mudança. Børge Brende, presidente do Fórum Econômico Mundial (WEF), espera um aumento de produtividade de até 10% no longo prazo com o uso da IA, o que significa redução de postos de trabalho. Isso, no entanto, exige perseverança, e lucratividade provavelmente continuará inatingível para a maioria dos fornecedores de IA. Como diz a revista The Economist, “mesmo que a tecnologia explore todo o seu potencial, muita gente perderá tudo”.
Isso é ainda mais provável dado o ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico no setor de IA, que ameaça de obsolescência equipamentos e produtos muito mais rápido do que seus custos podem ser amortizados – uma ameaça a todos os investimentos em IA. Não há nada de novo no fato de o progresso tecnológico levar à desvalorização do capital existente. Marx já analisou esse processo e lhe deu o nome peculiar de “desgaste moral”. No entanto, esse desgaste por muito tempo limitava-se aos meios de produção. Além disso, ele ocorria aos poucos e permanecia parcial. Com a IA, a situação é diferente. Por um lado, mesmo os produtos criados com uma enorme aplicação de recursos se tornam obsoletos rapidamente. Uma geração de ferramentas de IA sucede a outra, tornando o esforço de desenvolvimento das ferramentas obsoletas economicamente inútil. Por outro lado, na sequência de avanços tecnológicos, uma infraestrutura de IA que ontem era ultramoderna amanhã já pode ser descartada.
A dimensão dessa ameaça ficou clara em janeiro, quando a empresa chinesa Deepseek apresentou seu modelo linguístico. Diz-se que é superior ao Chat GPT e que foi treinado sem os chips mais avançados e com muito menos capacidade de computação do que produtos similares de concorrentes do Vale do Silício. Quando a notícia foi divulgada, não apenas os investidores que aplicaram seu dinheiro em data centers prenderam a respiração; toda a indústria de IA dos EUA foi abalada. Em apenas um dia, as ações da Nvidia, fabricante de “superchips”, despencaram 17%. Só isso já fez com que uma capitalização de até agora quase 600 bilhões de dólares escoasse pelo ralo.
IA e monopólios naturais
Os livros didáticos de economia geralmente exaltam a concorrência. Uma exceção é o “monopólio natural”: uma busca no Google por esse termo revela a seguinte definição: “Um monopólio natural surge quando uma única empresa pode atender a todo o mercado de forma mais eficiente e a um custo menor do que se houvessem várias empresas. Isso geralmente ocorre devido aos altos custos fixos e às economias de escala, que tornam a entrada de concorrentes proibitiva. Exemplos incluem empresas de serviços públicos, como fornecedoras de eletricidade ou água, já que a construção de redes adicionais seria antieconômica”.
E, de fato: seria um enorme desperdício de recursos e dinheiro construir e manter redes paralelas de eletricidade ou sistemas de abastecimento de água na mesma cidade. Isso, é claro, não impediu a sociedade capitalista de se envolver frequentemente em tais absurdos ao longo de seu desenvolvimento. Por exemplo, assim foi feito o projeto de infraestrutura mais importante do século XIX, a construção de uma rede ferroviária, o que resultou no desperdício de somas consideráveis em estruturas paralelas supérfluas, especialmente na rede pioneira da Grã-Bretanha. Foram múltiplas sociedades anônimas que criaram linhas ferroviárias primeiro na ilha e depois no continente europeu, sem um plano geral e concorrendo entre si. Na Alemanha, foi somente em 1885 que todas as companhias ferroviárias privadas importantes foram transferidas para a propriedade do Estado e, assim, reunidas sob um mesmo teto – algo que demorou ainda mais a chegar a outros dos principais países capitalistas da Europa.
No final do século XX, ganhou força novamente a prática de transformar a construção de novas infraestruturas em um campo de atuação para capitais privados concorrentes. Na década de 1990, sob a religião neoliberal do mercado, tanto as redes de telefonia móvel quanto toda a infraestrutura de TI foram construídas dessa forma, e ambas ainda continuam nas mãos de empresas com fins lucrativos.
É claro que a ideologia neoliberal da competição não muda o fato de que há uma forte tendência aos “monopólios naturais” nos segmentos-chave da indústria de TI. Uma infinidade de sistemas operacionais diferentes só leva a problemas de compatibilidade. A maioria das pessoas usa o mesmo serviço de mensagens que todo mundo usa, e as receitas publicitárias também ficam concentradas. É por isso que a fase de competição entre startups pelo mesmo segmento de mercado durou apenas alguns anos em vários setores-chave. A bolha da internet, que levou tantas empresas novas à falência, não foi a causa e sim um acelerador do processo de concentração.
Uma vez que uma empresa conquista uma posição dominante no mercado e define o padrão em um setor, não é tão fácil perder essa posição. Durante anos, cerca de 90% das buscas na internet em todo o mundo foram feitas no Google e, hoje, mais de 70% dos computadores desktop ainda usam o sistema operacional Windows. Só com as transformações tecnológicas surgem novas oportunidades. Até lá, as empresas que detêm o monopólio no setor de TI têm lucros garantidos.
Ao contrário dos “monopólios naturais” tradicionais, que se limitavam a um determinado território, os monopólios digitais abrangem o mundo inteiro. Até a próxima revolução tecnológica, eles podem extorquir taxas de uso da sociedade mundial, o que é quase uma licença para imprimir dinheiro. Não é de se admirar que setor de TI concentre as dez empresas mais ricas do mundo.
Partes importantes do setor de IA também seguem a lógica de “tudo ao vencedor”. John Lovelock, analista de tecnologia da consultoria Gartner, resumiu bem a questão no jornal “Faz” ao comentar os chatbots: “os maiores fornecedores de IA estão em uma corrida até o último homem”. Lovelock espera que, no final, restem apenas um ou dois modelos de IA. E também no setor como um todo, os sinais apontam para um processo de concentração acelerado: “presumimos que, nos próximos anos, apenas 10% das startups atuais continuarão operando de forma independente”. O restante será absorvido ou irá à falência.
Que a revolução da IA devore quase todos os seus filhos tem sido o ponto de partida das estratégias empresariais dos gigantes da TI. Todos eles foram concebidos para estar entre os poucos sobreviventes da grande batalha final, para então, como “mestres do universo da IA”, exigir tributos da sociedade mundial que ofuscarão tudo o que se viu até agora. Isso também significa que todos os investidores que não apostaram no vencedor jogaram dinheiro fora. Ainda não se sabe como será o processo de destruição do capital fictício, mas não há dúvida de que ele ocorrerá.
O lar de todas as bolhas
A importância da euforia em torno da IA, especialmente para os EUA, mas também para toda a economia global, é inegável. O economista de Harvard, Jason Furman, concluiu que, no primeiro semestre de 2025, 92% do crescimento do PIB dos EUA foi atribuído a investimentos em infraestrutura de IA. O setor da construção civil, em particular, se beneficia diretamente. Em 2024, um valor recorde de US$ 180 bilhões em investimentos em infraestrutura foi destinado à construção de data centers de IA.
A expansão das capacidades das usinas de energia que abastecem esses novos consumidores de energia também gera empregos e lucros em setores convencionais. Se o consumo mundial de energia elétrica dos centros de dados de IA era de 50 bilhões de quilowatts-hora em 2023, ele deve multiplicar-se para 550 bilhões até 2030 – um desastre para a proteção climática, mas uma bênção para o produto interno bruto.
Assim que os sonhos da IA se dissiparem, os EUA não perderão apenas seu único motor de crescimento restante, como também é provável que ocorra uma reação em cadeia nos mercados financeiros. Há também o risco de uma reação em cadeia nos mercados financeiros. O ponto de partida mais provável são os bancos paralelos, como os fundos de investimento. Esse segmento não regulamentado do sistema financeiro cresceu enormemente nos últimos anos e contribuiu significativamente para financiar a euforia em torno da IA. Ele seria, assim, o mais afetado por um revés. Em seu Relatório de Estabilidade Financeira Global, publicado em outubro, o FMI mostra-se preocupado com essa questão. O relatório não apenas alerta para o risco de “correções bruscas do mercado” nas ações de IA, mas também para o fato de que os bancos paralelos podem ficar em apuros. Isso, por sua vez, funcionaria como uma reação em cadeia.
O estouro da bolha da IA não afetaria apenas um setor econômico, mas provocaria uma crise generalizada. Isso se aplica, em primeiro lugar, à terra natal dos gigantes da tecnologia. Na era do capitalismo impulsionado pela dinâmica dos mercados financeiros, os EUA já provocaram duas crises que abalaram a economia mundial: o estouro da bolha da internet e a grande crise financeira de 2008. Em ambos os casos, a recessão foi superada pelo surgimento de bolhas ainda maiores nos EUA, que fizeram a economia mundial retomar o crescimento. Com o estouro da bolha da IA, porém, o papel dos EUA como “lar de todas as bolhas globais” pode chegar ao fim.
Tradução: Marcos Barreira

